silêncio
ultimamente, ando dizendo muito que ainda estou aprendendo a ficar mais tempo sozinho. a prestar mais atenção em mim, a meus desejos, a descobrir o que tô desejando. ainda é cedo pra dizer os resultados disso, talvez seja sempre cedo pra dizer os resultados de alguma coisa que seja. esses resultados parecem ser simples recortes de tempo e espaço. mas não são esses recortes dimensionais que me acordaram, mas o silêncio.
vácuo. ausência. ruído branco. tinnitus.
pego o celular, vejo as notificações, levanto. a pedra da mesa da cozinha está fria. não há um ser aqui além de mim. há os sons da minha respiração, junto com o remexer das minhas tripas. condicionado, ligo a tv. meus ouvidos reclamam e, mais rápido ainda, desligo o aparelho. a tv é realmente um inferno dantesco, nesse momento.
frito um ovo pra acompanhar os restos do jantar de ontem. o silêncio me deixa ouvir meus pensamentos, leio um texto enquanto como. me sinto feliz por estar só. parece aquela felicidade adolescente de ter controle sobre os espaços da casa. ou apenas a vontade adulta de viver num espaço próprio, onde você tem um maior controle sobre a rotina.
penso se o silêncio é uma espécie de folha em branco, a tinta fazendo a vez desses pensamentos que vêm e pincelam, ou escrevem (ou se inscrevem) ali. será que as pessoas meditam por isso, pra saber que tipo de pensamentos se projetam quando você não está pensando em nada? será que o silêncio é temido por dar espaço a todas as preocupações e cobranças (internas ou externas) que nos pressionam?
sendo assim, o silêncio me atrai. e tento encará-lo não como ausência de som, mas como algo disforme, que nos puxa adentro dos sons internos nossos, uma tomada de consciência do espaço onde nosso corpo se projeta. porém, ao mesmo tempo, o silêncio pode ser apenas silêncio, sem romantizações, projeções platônicas ou fenomenologias. talvez apenas seja uma sensação primordial, ao mesmo tempo muito antiga e muito a frente do nosso tempo. aquilo que houve e que terminará por ser.
aliás, um silêncio pressupõe um som. onde há um, há outro; pra possibilitar a gente de percebê-los, nas suas diferenças. na verdade, talvez a música seja o cálculo de onde pôr os silêncios, em vez dos tempos dos acordes.